Pesquisa divulgada na última semana revela que os brasileiros estão cada vez mais engajados em diminuir o consumo de alimentos de origem animal no dia a dia – e isso reflete na necessidade dos restaurantes adaptarem ou criarem novas opções de pratos nos cardápios.
Esta é a conclusão da Sociedade Vegetariana Brasileira sobre os dados apontados pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC), antigo Ibope Inteligência, que apontou que um em cada três brasileiros já escolhe opções veganas em restaurantes. O levantamento mostrou, ainda, que 46% da população já deixam de comer carne, por vontade própria, pelo menos uma vez na semana.
O hábito é o reflexo da tendência que vem crescendo em todo o mundo nos últimos anos, seja por uma questão de consciência ambiental como de riscos à saúde segundo especialistas e nutricionistas. Não à toa, as próprias grandes processadoras de proteína animal passaram a investir em produtos plant based de olho no aumento do consumo.
Já muitos restaurantes brasileiros viram que precisavam oferecer opções diferenciadas de pratos vegetarianos ou veganos além dos preparos tradicionais, para agradar a um público cada vez maior. E essa é uma tendência que veio para ficar e se tornar cada vez mais rentável segundo Ricardo Laurino, presidente da SVB.
“Como isso está aumentando, as famílias e os grupos de amigos levam em conta aquela pessoa que está nesta transição de mudar o seu hábito alimentar, e começam a escolher restaurantes que atendam a esse amigo ou familiar. Ou seja, os estabelecimentos [que não oferecem opções] não perdem só o consumo de um vegetariano ou vegano, perdem também daqueles que estão ao lado dele”, afirma.
Em entrevista ao Bom Gourmet Negócios, Laurino explica que o Brasil deve ver o vegetarianismo e o veganismo ter um salto até o ano de 2030, com o consumo aumentando em pelo menos 50 vezes. Veja os principais trechos da conversa:
Bom Gourmet Negócios: A pesquisa da SVB revela que um em cada três brasileiros já escolhe opções veganas nos cardápios de restaurantes e congêneres para a sua alimentação, mas isso não quer dizer necessariamente que todas elas já migraram para o vegetarianismo, certo?
Ricardo Laurindo: A gente teve como pretensão nessa pesquisa era muito mais mostrar como o movimento influencia pessoas que não necessariamente fazem parte disso do que propriamente entender a quantidade específica dele, que a gente já tem um número bem interessante e representa muito do que vemos acontecer no dia a dia. Cada vez mais a gente tem contato com pessoas que são vegetarianas ou que estão nessa transição.
Esse contato cada vez maior com pessoas que já se declaram vegetarianas ou que afirmam escolher opções assim nos cardápios, então, gera novas oportunidades de negócios em restaurantes não especializados?
E mais, a gente pode dizer que não é só oportunidade, mas sim uma necessidade e te digo por quê. Eu virei vegetariano há 31 anos e vegano há 18, e antigamente ninguém ligava para isso, diziam “se vira, vai lá no restaurante, come batata e pronto”. Hoje em dia, como isso está aumentando, as famílias e os grupos de amigos levam em conta aquela pessoa que está nesta transição de mudar o seu hábito alimentar, e começam a escolher restaurantes que atendam a esse amigo ou familiar. Ou seja, os estabelecimentos [que não oferecem opções] não perdem só o consumo de um vegetariano ou vegano, perdem também daqueles que estão ao lado dele. É uma questão de veto, em que o grupo todo acaba por mudar de lugar por não ter opções que atendam a aquela pessoa que adota este tipo de alimentação, que tenha uma ou mais opções já prontas pra ele sem precisar adaptar os pratos servidos – inclusive para aquele outro amigo ou familiar que não é necessariamente vegetariano ou vegano, mas tem a curiosidade de reduzir o consumo de carne. Então, o que era antes uma “nova opção” está se transformando em uma necessidade.
Isso pode influenciar os demais do grupo a talvez experimentarem mais pratos vegetarianos ou veganos?
Sim, isso influencia muito. É exatamente o que a pesquisa mostrou, que a gente tem 46% de brasileiros que estão optando por vontade própria, e isso é um destaque importante por estarmos em uma época de crise, com a carne custando mais caro e as pessoas com um poder aquisitivo menor. E este dado mostra como elas também compram aquilo que podem, o que demonstra essa influência que o movimento acaba tendo em relação ao grupo de pessoas, amigos e familiares.
Então quer dizer que os restaurantes que não oferecem estas opções no cardápio estão ficando para trás?
Sim, pois eles correm o risco enorme de perderem não apenas o cliente que é vegetariano como também aquele grupo de pessoas que faz parte da convivência dessa pessoa.
Como devem ser estas opções vegetarianas em um restaurante que não é exclusivamente vegetariano? Digamos que um estabelecimento especializado em culinária italiana, por exemplo?
É preciso avaliar o que já tem no cardápio e às vezes alguns ajustes já ajudam demais pra que os restaurantes consigam oferecer algo que pode atender aquela pessoa que vai pedir uma opção vegana e que não seja simplesmente uma batata-frita ou uma salada simples. Não adianta querer atender o mínimo, tem que ter algo que realmente encante que o cliente perceba o sabor e a textura de algo que foi feito para encanta-la. Temos um programa para estabelecimentos que não tenham opções veganas ou que tenham uma ou outra e queiram melhora-las, dando o suporte para que pratos sejam criados ou repensados de acordo com a temática do local. Nós não cobramos por essa consultoria, mas indicamos profissionais que podem ajudar a fazer um trabalho mais aprofundado de engenharia de cardápio para estes estabelecimentos.
Qual é o potencial deste mercado, quanto a SVB projeta de crescimento?
A última pesquisa que eu vi vem lá da China, e que reflete um movimento que está acontecendo mundialmente, aponta que o mercado de carnes vegetais vai aumentar 500 vezes até 2030. Só por aí a gente tem ideia do potencial que estamos falando. E aqui no Brasil vamos ter números parecidos, de pelo menos 50 vezes, a perspectiva é realmente muito grande.
Dentro desse aumento do consumo de opções “plant based”, que substituem carnes e preparos como hambúrgueres, linguiças, etc, com aparência e sabor semelhantes aos originais, temos a controversa questão do quanto estes alimentos são ultraprocessados para ganharem estas características. Muitos nutricionistas criticam estes produtos por conta do processo produtivo, mas como a SVB enxerga isso?
Primeiro é que há um equívoco de muitos nutricionistas em relação a esses produtos. É claro que a gente sabe que a comida in natura vegetal é a mais indicada para quando a pessoa vai começar a fazer a transição, mas quando você pensa que muitas delas estão deixando de comer presunto, salame, hambúrguer de carne que já são classificados pela própria OMS (Organização Mundial da Saúde) como cancerígenos, esses nutricionistas acabam não percebendo que esse é um processo que pode ajudar as pessoas a tirarem esse hábito que a gente herdou que precisa de produtos de origem animal. Na verdade, a gente [a SVB] enxerga como mais uma opção para as pessoas poderem mudar os seus hábitos e atenderem a diversas questões que estão correlacionadas ao consumo de carne, como o impacto ambiental, do risco de desenvolvimento de novas pandemias, de se quebrar uma ideia de que só com carne se consegue fazer uma refeição que gosta. Tudo isso, no nosso modo de ver, e a gente percebe que cada vez mais nutricionistas estão abrindo os olhos para isso, é que essa é mais uma forma de se obter esse tipo de resultado e estimular as pessoas a terem uma nova visão em relação ao que colocam no prato. É claro que não é o mais saudável, mas é preferível que a pessoa dê os seus passos e comece a fazer uma mudança do que propriamente continuar se alimentando com produtos que a própria OMS já indica como danosos à saúde. É como uma porta de entrada para a transição.
Mas não chega a ser um paradoxo de que estes alimentos “plant based” custam mais caro que os semelhantes de proteína animal em um momento em que se busca incentivar o consumo?
Quanto a gente vai gastar somos nós que definimos, e nem sempre estes produtos plant based são mais caros que os similares. Por exemplo, os peixes plant based geralmente são mais baratos pelo menos da última vez que fiz uma pesquisa sobre isso. Já as carnes, com o aumento que tivemos, os valores estão se assemelhando. E isso tem muito a ver também que muitos destes alimentos não têm incentivos fiscais do poder público, então ele vira mais caro. A questão toda é da pessoa que escolhe o que vai comer. Quem come carne, por exemplo, escolhe se vai comer um filé mignon ou uma carne moída, o preço muda muito. É a mesma coisa. Esses produtos são opções, são possibilidades para que a pessoa, conhecendo seu bolso e a sua situação financeira, vai escolher e vai utilizar o dinheiro para comprar aquilo que acha mais interessante.
Por Guilherme Grandi
Foto: Nay Klim/arquivo/Gazeta do Povo