Portas abertas e a volta de funcionários cortados por mais de um ano do quadro de pessoal de bares, restaurantes, lojas de rua, empresas prestadoras de serviços, inclusive escritórios dos promotores de eventos e entretenimento, e das escolas dão o tom do recomeço das atividades econômicas em Belo Horizonte.
Com reabertura gradativa e ainda em meio ao difícil combate à pandemia de COVID-19, a capital busca o retorno à condição mais próxima de uma vida e economia normais na cidade, após os recentes decisões municipais que liberaram os jogos em estádios na presença dos torcedores, e as vendas de bebidas alcoólicas; as feiras gastronômicas tão comuns em BH e corridas.
A nova batalha agora é para atrair e reter o consumidor, a despeito do orçamento apertado, e, sem choro nem vela, facilitar o caminho de recuperação das vendas. Expectativas e estratégias não faltam às vésperas da chegada do melhor trimestre do ano para os negócios, como vai mostrar série de reportagens que o Estado de Minas publica ao longo da semana sobre a retomada do comércio e do setor de serviços.
Em comum, o sentimento entre donos e empregados das empresas e clientes é de que a reação deu as caras, mas deve ocorrer de forma lenta e medindo forças com a inflação e o desemprego altos, combinados à perda de renda do consumidor. As vendas do comércio varejista de Minas Gerais cresceram 4,9% em julho, último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e eEstatística (IBGE), frente ao mesmo mês do ano passado, mas estão longe de ser motivo de comemoração, diante da base fraca de comparação com um 2020 sacrificado pela pandemia. Na análise sobre junho, houve queda de 2,1%.
Movimento semelhante teve o setor de serviços, com avanço de 1,2% frente a junho último e 25,4% em relação ao mesmo mês de 2020. Contudo, os tropeços não são poucos. A inflação de 0,87% em agosto, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, foi a maior para o mês desde 2000. O desemprego cedeu no segundo trimestre do ano, mas afeta 14,444 milhões de brasileiros, dos quais 1,3 milhão em Minas. Por sua vez, a inadimplência persiste. Quase 70% (69,7%) das famílias no país encerraram o primeiro semestre do ano endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Gestão enxuta e bem conectada com o cliente
Consumidores nas lojas são como uma senha para a recuperação dos negócios, num cenário de retomada do ânimo dos donos de bares e restaurantes. É o caso de Lucas Brandão Arouca, proprietário da Panorama Pizzaria, que confia em melhora nos próximos meses. “Temos conseguido respirar melhor. O movimento está voltando aos poucos. O que perdemos já é passado e considero que não vamos mais recuperar. Mas projetamos um futuro mais animador no fim do ano, uma vez que os clientes estão saindo mais de casa.”
Na nova etapa de funcionamento da empresa, ele retomou as contratações com cautela, optanto por trabalhadores fichados em contratos temporários, depois de ter demitido dois dos seis funcionários da casa durante a pandemia. Outra mudança foi diminuir os estoques de matéria-prima, assim reduzindo as despesas, mediante a adaptação das compras à demanda semanal para atendimento dos clientes.
Além da dificuldade de recuperar a receita, os empresários se deparam com a inflação elevada no Brasil, que atinge muitos dos itens usados na cozinha. Lucas Arouca afirma que, por enquanto, manteve os preços básicos das pizzas para estimular o movimento no local.
“A pandemia já mudou toda a nossa rotina. Em seguida, passamos a viver uma crise política, o que afetou a economia. A inflação é um dos fatores que dificultam nossa retomada. Não podemos aumentar os preços na proporção dos repasses dos fornecedores porque as pessoas estão desempregadas ou recebendo menos”, destaca.
Promover um enxugamento estratégico foi necessário para que o proprietário do restaurante Gastrô Hub, Roberto Zhen Qiu, mantivesse o negócio, pressionado pelos efeitos da crise sanitária na economia. Ele diminuiu o quadro de funcionários de 40 para apenas 10 durante o tempo de fechamento das atividades na capital. Outra importante decisão foi unificar outros três estabelecimentos para economizar em torno de R$ 20 mil com aluguéis.
“Nosso faturamento caiu mais de 70% nesse período de pandemia. Fizemos uma adaptação, com todo serviço de delivery, para fixarmos num único endereço. Tentamos economizar de todo jeito”, afirma o empresário, que prevê em torno de 12 meses para recuperar o faturamento perdido desde o ano passado.
E não foi apenas o comerciante que perdeu receita. Um dos garçons do restaurante, Jônatas Lindson Pereira, de 30 anos, estima que 50% de seu salário ficou comprometido com o fechamento dos estabelecimentos. Para ele, a volta ao trabalho representa dias a mais de tranquilidade. “Durante esse período, tive que reorganizar minhas finanças. Tive que parar de sair, deixar de ir à academia e outras coisas. Dependemos muito da presença do público, pois ganhamos comissões. Com a volta do comércio, podemos vislumbrar uma volta à vida normal e ter maior segurança no trabalho.”
Vacinação
Na churrascaria Boi Vitório, o investimento feito no serviço de entrega, que era pouco explorado, permitiu que a empresa se mantivesse firme, diante dos solavancos impostos pelo novo coronavírus, conta o sócio-proprietário da casa, Fabrício Lana. Com a reabertura, o empresário readmitiu dois funcionários e já projeta pequenas melhorias em seu estabelecimento.
“A retomada está lenta e as pessoas têm receio. Temos um público acima de 40 anos e que não se arrisca tanto. Estamos torcendo para a aceleração da vacinação para uma retomada mais significativa, não como era antes. Vai ser menos desgastante.” Ele diz que foi preciso demitir oito dos 30 funcionários na pandemia. A sensação ainda é de insegurança tendo em vista o momento atual do país.
Expansão
Na contramão da maioria dos bares e restaurantes que vivem grave crise financeira, o La Vinícola se adaptou bem ao momento crítico da pandemia e não precisou fechar nenhum de sua rede de restaurantes. Pelo contrário, outras duas unidades foram abertas da Praça da Savassi e no Topo do Mundo, em Brumadinho, somando-se às existentes em Lourdes, Buritis e Vila da Serra. Além disso, há a previsão de inaugurar outras duas casa no BH Shopping e no Pátio Savassi e em Maringá (PR).
Segundo Vitor Pacheco, chefe-executivo e sócio da empresa, o segredo foi apostar num negócio diferente: “Vimos um modelo de mercado mal explorado que é essa democratização do mundo do vinho. Colocamos a bebida como algo informal, como cerveja. Além disso, exploramos uma gastronomia diversificada. A pandemia foi um momento de apreensão, mas vimos uma chance de explorar o mercado de delivery, que deu certo. Atingimos um público muito legal.” Desde então, a empresa evitou demissões e ainda abriu contratações para a cozinha e para os demais serviços.
O sucesso do negócio beneficiou a então auxiliar de limpeza Mislene Rosa, de 43 anos, que viveu momentos de apreensão depois que perdeu seu emprego no início da pandemia. No La Vinícola, ela foi recontratada meses depois na função de auxiliar de cozinha, o que possibilitou uma melhor remuneração.
Ela comemora a oportunidade por ter a chance de aprender mais no dia a dia: “Trabalhava num café da Savassi, mas fui demitida quando as vendas estavam ruins. Quando reabriu e eles me chamaram de volta, já estava aqui. Aqui é uma opção melhor do que onde eu estava, porque aprendi a fazer muitas coisas. Não sabia cozinhar e hoje eu sei. Tenho planos de ficar aqui até me aposentar”.
Setor prevê mais vagas em 3 meses
Com a reabertura dos municípios, flexibilizando a quarentena, os empresários dos setores de bares e restaurantes admitem ter dificuldades de contratar trabalhadores para atuar no serviço de cozinha e no atendimento ao consumidor. Para minimizar o problema, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) criou um banco de talentos por meio do qual divulgará vagas disponíveis nos estabelecimentos e vai ajudar na recolocação dos profissionais.
A plataforma é destinada a trabalhadores com ou sem experiência no setor para incentivar os jovens em busca do primeiro emprego. A estimativa é repor cerca de 30% das funções, cujos profissionais foram demitidos nos períodos mais críticos da pandemia, nos quais bares e restaurantes tiveram seus alvarás cassados.
O presidente da Abrasel em Minas, Matheus Daniel, segue confiante na recuperação do setor e, consequentemente, na retomada dos empregos.“O mês de julho já mostrou uma evolução nos dados, porque diminuímos o número de empresas com prejuízo. A redução das restrições na economia é muito importante para que o setor se recupere. E a expectativa é de melhora. Estamos num caminho correto. Já temos demandas de contratações, mas temos dificuldades até porque muitos trabalhadores se tornaram empreendedores ou buscaram outra forma de trabalho.”
A pandemia contribuiu para a falência de pelo menos 30 mil bares e restaurantes em Minas, dos quais 3,5 mil na capital mineira, de acordo com levantamento feito Abrasel-MG. Em todo o estado, 250 mil trabalhadores do setor perderam o emprego desde março do ano passado. Na capital, foram eliminados cerca de 30 mil postos de trabalho. A expectativa é de que 10 mil trabalhadores sejam contratados na capital para atender às demandas até o fim do ano.
Por Rogerio Dias
Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press