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O novo normal é híbrido. E isso faz toda a diferença para os shopping centers

No dia 9 de julho, uma sexta-feira, as salas de exibição brasileiras receberam um novo blockbuster, daqueles capazes de fazer a garotada voltar ao cinema depois de tanto tempo. O lançamento de “Viúva Negra”, que conta a história de uma importante personagem da Marvel, já havia sido adiado três vezes antes de finalmente chegar à telona. No entanto, em uma ousada jogada, a Disney decidiu disponibilizar simultaneamente o filme em sua plataforma de streaming, a Disney+, cobrando dos seus assinantes um valor adicional de R$ 69 pelo acesso. Nos Estados Unidos a estratégia foi a mesma.

Resultado: no seu primeiro fim de semana, o longa estrelado por Scarlett Johansson faturou mais de US$ 218 milhões em todo o mundo, sendo que 27% desse valor veio do streaming. No entanto, daí para a frente a arrecadação dos cinemas caiu bastante, o que levou as empresas exibidoras a reclamarem da concorrência com o streaming. Provavelmente elas terão que conviver com a ideia. O futuro será híbrido.

A ideia da construção de uma nova realidade de mercado híbrida, resultante da união entre o físico e o digital, não ficará restrita ao universo do entretenimento, obviamente.

Levantamento realizado pelo American College of Sports Medicine (Colégio Americano de Medicina do Esporte) apontou o treinamento online como a principal tendência para 2021. No levantamento do ano anterior, os exercícios à distância estavam apenas em 26º lugar no ranking das tendências emergentes. Pesquisa do portal The New Consumer, que entrevistou 3.500 americanos, mostrou que 76% deles fizeram exercícios em casa durante a pandemia e dois terços passaram a preferir essa opção às academias. De fato, 59% dos americanos não planejam voltar a frequentar uma academia, de acordo com estudo da TD Ameritrade. Durante entrevista à revista Wired, em abril deste ano, Brad Olson, um dos principais executivos da Peloton, empresa que ajudou a impulsionar o mercado de exercícios em casa, disse acreditar que as academias terão o mesmo destino das lan houses, onde no passado os jovens iam para se divertir com jogos online. Hoje todos fazem isso no conforto de suas casas e, de acordo com Olson, o mesmo acontecerá com os exercícios físicos.

Pode até ser que parte dos usuários das academias migre de vez para as aulas virtuais, mas muita gente aposta que, também aqui, o futuro será híbrido. “O foco é nos consolidarmos como uma plataforma líder no setor, tanto no espaço físico como no online”, disse recentemente Edgard Corona, CEO e sócio-fundador do grupo SmartFit, à revista Veja. Eduardo Netto, diretor da BodyTech, vai na mesma direção. Em declaração ao jornal O Globo, afirmou: “Penso que o presencial e o virtual nunca vão se sobrepor, mas se complementar. Hoje, é a Covid-19 que impede a ida às academias; depois, quando isso tudo acabar, pode ser uma viagem ou um horário de trabalho estendido. Pretendemos aprimorar nossos serviços remotos para serem usados mesmo depois da pandemia.”

A lista de segmentos impactados pela “hibridizacão” disseminada é interminável e inclui, por exemplo, educação, saúde, locação de salas comerciais e gastronomia, para citar apenas alguns. O que mais cinemas, academias, cursos, clínicas, escritórios e restaurantes têm em comum? São todos eles extremamente relevantes para gerar fluxo recorrente nos shopping centers. Assim como as lojas, é claro.

Além da diversão, do trabalho, do estudo e das consultas médicas, também as compras serão cada vez mais híbridas. Em março, durante a versão digital da SxSW Interactive, a Chief Customer Officer da Best Buy, Allison Peterson, já havia alertado que “a ideia da jornada do cliente começar no digital veio para ficar”. Ela se referia às descobertas proporcionadas pelas marcas nas redes sociais e às ações de engajamento no mundo virtual. Também os processos de venda, abastecimento e logística do varejo, entre outros, mudaram dramaticamente por conta das exigências das estratégias omnichannel. Mas nenhum efeito é mais notável para os shopping centers do que a prevalência da loja física híbrida.

Dados da Kantar revelam que, em 2020, 85% dos americanos abraçaram a omicanalidade: apenas 5% compraram exclusivamente no e-commerce e 10% somente em lojas físicas. A retirada em loja de produtos comprados online e a entrega em residência de produtos a partir do estoque da loja têm crescido consistentemente, agregando agilidade e economia ao processo de logística. Nesse sentido, a loja ganha rapidamente novas funções.

Em 2018, Frederico Trajano, CEO do Magalu, afirmou que suas lojas seriam “shoppable distribution centers”, ou centros de distribuição onde também se pode comprar. De lá para cá esse conceito se espalhou pelo Brasil. A integração do físico com o virtual tem ainda ajudado o varejo nacional a reduzir a ruptura, com apoio de ferramentas como prateleira infinita, e a elevar a produtividade da equipe de loja, por meio da venda remota a partir da base de clientes da marca. Embora ainda restritas a um conjunto de redes varejistas mais estruturadas, as estratégias de venda híbridas tendem a se alastrar à medida que os consumidores começarem a exigir a mesma conveniência do pequeno e médio varejo. E a loja física deixará definitivamente de ser só um lugar onde adquirimos produtos ou serviços, transformando-se em elemento de crucial importância nas estratégias híbridas do varejo.

Muita gente ainda espera que as coisas voltem ao que eram antes da pandemia, depois que a vacinação avançar e a proliferação do vírus estiver mais controlada. Essas pessoas ainda não se deram conta de que o mundo mudou e que o digital se infiltrou na vida cotidiana de tal maneira que não tem mais volta: o novo normal é híbrido, mesclando o melhor dos dois mundos, o físico e o virtual.

As consequências para os shoppings serão múltiplas e importantes. A começar pela necessidade de revisão do tenant mix e das estratégias de atração de público. Será preciso também revisitar o padrão de relacionamento com lojistas e o modelo de negócio. E abraçar uma nova cultura, mais flexível, ágil e desapegada das práticas bem-sucedidas do passado. Tudo isso aliado a um enorme senso de urgência, porque, como tenho repetido aqui, o futuro é hoje à noite.

Por Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Envato / Arte / Mercado&Consumo

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