Há cerca de um mês, a confeiteira Carolina Sales anunciou que fecharia suas lojas no Rio de Janeiro e se mudaria com a família para Lisboa, em Portugal, em busca de melhor qualidade de vida. A empresa tinha sido aberta havia pouco mais de dez anos e passava por um bom momento, mas a empreendedora e a família tinham outras aspirações pessoais. A decisão também jogou por terra o plano de crescer por franquias, anunciado em abril deste ano. Sales disse ao jornal O Globo que a decisão de encerrar o negócio foi tomada pouco antes de fechar o contrato com o primeiro franqueado.
“Quando vi a franquia tomando forma, senti que eu teria uma responsabilidade imensa com essa pessoa que poderia estar fazendo o investimento de sua vida. E isso faria com que eu ficasse enraizada aqui por pelo menos mais cinco anos”, disse.
Sales não foi a primeira, e está longe de ser uma raridade: no ano passado, o número de franqueadoras ativas no país caiu cerca de 8,6%, passando a 2.668. Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), a maior parte é de empresas que suspenderam a expansão por franquias durante a crise sanitária.
Ainda antes da pandemia, entre 2015 e 2019, o empresário Junior Durski, fundador do Madero, recomprou a maior parte das franquias e as transformou em lojas próprias. Ele chegou a ter 39 lojas franqueadas. Hoje, são apenas quatro franqueados com contratos ainda vigentes. Em entrevista a PEGN em 2019, ele disse que dois motivos nortearam a decisão: finanças, pois o lucro total sobre as vendas das lojas é maior do que os royalties recebidos; e maior controle sobre as decisões do negócio, como trocas de equipamentos e de itens no cardápio, por exemplo.
“O gerente-geral do restaurante é meu sócio, porque participa do lucro, mas não tem ações, não está no contrato social, é CLT. Se ele não fizer exatamente como a gente quer que faça, podemos demiti-lo. Com franqueado, isso não existe”, disse o empresário, à época.
Hoje o Grupo Madero, com as marcas Madero e Jeronimo Burger, contabiliza 250 restaurantes, sendo 230 do próprio grupo, além de 16 de Durski e quatro dos franqueados independentes. A empresa não fala sobre planos de expansão, por estar em período de silêncio.
De acordo com Américo José, sócio da Cherto Consultoria, especializada em franchising, outros motivos também podem levar uma empresa a desistir da expansão por franquias. Um deles é que a rede precisa estar preparada para só ter resultado depois de um determinado número de unidades.
Quando a empresa decide expandir por franquias, ela deixa de ser apenas um negócio focado na venda de seus produtos e serviços e se transforma em uma franqueadora. É preciso ter equipes para venda de unidades, acompanhamento de obras, suporte aos franqueados e treinamento, entre outros recursos. “Só começa a se pagar depois que tiver umas oito ou nove franquias. Até então, é investimento que o próprio empreendedor precisa fazer.”
Além disso, os candidatos a franquia estão mais preparados atualmente, na visão do especialista, e questionam aspectos do negócio que a própria empresa pode não ter pensado ainda. Eles não olham apenas a última linha dos resultados, mas querem saber como vão chegar lá. “Algumas empresas se assustam, percebem que não estão 100% preparadas para franquear e voltam para fazer a lição de casa”, diz José.
O papel da franqueadora passa a ser mais macro: lançar produtos, cuidar da marca e criar processos são algumas das atribuições. As vendas ficam com os franqueados ou unidades próprias. “A partir do momento que esses papeis começam a ficar claros, o sistema caminha melhor. Há muito espaço para se crescer com franquias ainda.”
O que saber antes de transformar seu negócio em franquia?
O especialista diz que a primeira coisa que a marca precisa analisar é se está disposta a ter sócios — tanto para investimentos como para dividir decisões e lucros. “O franqueado é um sócio e ficará cobrando sempre por resultados e iniciativas”, explica José.
Também é preciso se certificar se o negócio já é sólido e possui diferenciais competititivos. José diz que franquear uma operação frágil, inexperiente e facilmente replicável pode ser um risco. O contrário também não é um bom sinal: negócios complexos demais podem dificultar o retorno do investimento do franqueado. “Muitas vezes, o negócio depende totalmente do franqueador para acontecer, e não é possível de ser replicado.”
A lei de franquias não estipula um prazo mínimo de existência de uma empresa para que ela se torne uma franqueadora, mas o comum é que o modelo seja testado por mais de um ano, pelo menos, para que o negócio possa ser analisado sob todas as sazonalidades.
A dica é abrir mais de uma operação própria antes de iniciar a expansão por franquias. Isso ajuda a ter a visão de gestão de uma rede, com oportunidades de faturamento, custos e lucro. “Se o motivo de franquear é só vender mais, é preciso repensar a estratégia. Não são empregados, mas parceiros e sócios. A franquia é um casamento, é um negócio autônomo, mas não é independente.”
Por Paulo Gratão
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