O desperdício de alimentos nos restaurantes é uma realidade presente em todo negócio do segmento no mundo, mas chefs e empresários estão cada vez mais cientes de que tem um papel importante no combate a isso.
Essa foi a percepção dos participantes de um dos muitos painéis de alimentação e empreendedorismo realizados recentemente na Expo 2020, a feira mundial que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Isso porque, além de combater o desperdício de alimentos frente a uma população cada vez mais faminta, também gera uma economia no bolso dos empresários.
Um dos painéis, o “Stop the Waste”, levou ao pavilhão da Austrália os chefs Janine Booth e Maya Badran (Austrália) e Roberto Rispoli (Itália) para explicarem o que vêm fazendo em seus restaurantes para reduzir o desperdício de alimentos no dia a dia. O bate-papo também teve a participação de Caterina Galluzzi, diretora adjunta do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas para o GCC (países do Golfo Pérsico); Dena Assaf, coordenadora residente da ONU nos Emirados Árabes Unidos, e Moez El Shohdi, presidente e CEO do Food Banking Regional Network e presidente para o Oriente Médio e África da Style Hotels International.
Dados levados por Dena Assaf apontam que um terço dos alimentos produzidos globalmente é desperdiçado, enquanto que “cerca de 800 milhões de pessoas passam fome à noite”. De acordo com ela, é preciso que os empresários também encontrem formas de evitar que mais comida seja jogada fora – o que significa dinheiro gasto desnecessariamente (US$ 1 trilhão ao ano).
Uma das saídas é usar ao máximo os alimentos e compra-los de produtores mais próximos, para evitar que se percam no meio do caminho. Janine Booth, que opera o restaurante Root & Bone, em Miami e Nova York, afirmou que consegue dar uma sobrevida até mesmo às sobras dos preparos da cozinha.
“É terrível que desperdicemos tanta comida. Se pudermos reciclar e reutilizar as sobras de nossa cozinha, podemos ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, já que a agricultura é um grande contribuinte para isso”, disse.
É algo como o feito por Maya Badran, chef vegana que ministra oficinas para racionalizar o uso dos alimentos. Ela diz que o reaproveitamento das sobras e a reciclagem do que não é usado são dois caminhos para se economizar nas contas do restaurante.
“Estou tentando educar as pessoas para reciclar e reaproveitar. Você pode até guardar as sementes de sua comida para usar em seu jardim, transformá-las em adubo ou se for adequado para uso como ração animal para seu animal de estimação”, analisa.
Já Roberto Rispoli, premiado com uma estrela Michelin no Il Carpaccio, de Paris, afirmou que tenta “obter o máximo de nossos itens localmente, porque para o planeta ir mais longe não é bom”.
Sobras para fornecedores
As ações dos chefs também encontram paralelo com o que Moez El Shohdi, um hoteleiro experiente no setor há mais de 40 anos, faz nos hotéis que administra. Ele conta que repassa as sobras dos restaurantes para a alimentação animal de fornecedores locais.
Isso ajudou a reduzir alguns custos de insumos quase pela metade. Segundo ele, o desperdício de alimentos na indústria hoteleira é um problema.
“Então tive a ideia de encontrar outro uso para isso. Usando sobras de comida como ração animal, os custos são 40% menos em comparação com as rações regulares no mercado e, sem dúvida, a qualidade é muito melhor”, disse.
Ele também revelou algumas das ideias apresentadas pela Food Banking Regional Network, que convenceu hotéis do Egito a reduzir o tamanho dos pratos servidos. Uma mudança simples que, segundo Moez, reduziu em 25% o excedente de alimentos coletados nos hotéis.
Iniciativas mundiais
Além das ações dos chefs, o painel também apresentou outras iniciativas adotadas no mundo para reduzir o desperdício de alimentos. Veja quais são algumas delas:
Algramo (Chile) – A Algramo desenvolveu uma solução de tecnologia para fornecer alimentos de baixo custo e internet para comunidades pobres e marginalizadas no Chile, usando máquinas de venda automática integradas.
AMAATI Company LLC (Gana) – A AMAATI trabalha com agricultores, especialmente mulheres, para produzir e processar grãos plantados em comunidades indígenas, criando meios de subsistência sustentáveis em terras degradadas devido ao uso excessivo.
Bio Natural Solutions (Peru) – ‘Life Cover’ é uma solução ecológica feita a partir de subprodutos agrícolas de produtos frescos, como sementes e grãos, que prolonga a vida útil das frutas na fase pós-colheita. A solução beneficia exportadores e produtores de frutas, reduzindo as perdas em até 80% e mantendo a qualidade sem o uso de produtos químicos prejudiciais nas embalagens.
Desert Control (Noruega) – Os criadores da iniciativa desenvolveram uma argila natural líquida que evita e reverte a desertificação do solo, recuperando água para a agricultura, florestas e paisagens verdes.
Hydroponics Africa Limited (Quênia) – A Hydroponics Africa capacita mulheres e jovens nas favelas de Nairóbi a se tornarem empreendedores sociais, melhorando seus meios de subsistência e níveis de nutrição por meio da hidroponia – um método de cultivo sem solo que é rápido, econômico e sustentável.
Meet My Mama (França) – A plataforma digital de catering Meet My Mama tem como objetivo profissionalizar os talentos culinários das mulheres migrantes e promover uma visão multicultural para construir uma sociedade mais inclusiva e sustentável.
PichaEats (Malásia) – PichaEats compra comida caseira de refugiados antes de embalar, vendendo e organizando a logística para entregar aos seus clientes, melhorando as habilidades culinárias, consistência e profissionalismo de chefs refugiados e tirando-os da pobreza.
Plympton Farms (Guiana) – A Plympton Farms desenvolve e comercializa um método de cultivo hidropônico ao ar livre, usando sacos de cultivo de baixo custo e areia disponível localmente para transformar solo infértil em terras agrícolas produtivas.
Re-Nuble (EUA) – A tecnologia de entrega de nutrientes da Re-Nuble converte resíduos irrecuperáveis de alimentos em fertilizantes controláveis e de custo competitivo, permitindo que os agricultores produzam produtos orgânicos mais lucrativos pela metade do custo da produção inorgânica. A tecnologia é facilmente transferível para uso na agricultura baseada no solo e proporciona enormes reduções de emissões de gases de efeito estufa, desviando os resíduos alimentares dos aterros.
Por Guilherme Grandi
Foto: Bogstock